João Alage Mamadu Fadia |
[ENTREVISTA]
O ministro da Economia e das Finanças, João Alage Mamadu Fadia, disse
que se sente como um militante e servidor da causa do seu país, tendo
frisado, no entanto, que em nenhuma circunstância hesitou em servir a
sua pátria. Fadia falava durante uma entrevista exclusiva ao semanário
‘O Democrata’ para abordar a questão do desempenho das finanças públicas
que mereceu a confiança dos parceiros financeiros internacionais,
nomeadamente o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
O
responsável da pasta da Economia e Finanças explicou que o Banco
Mundial financiou um programa estratégico para o país para quatro anos,
em 90 milhões de Euros. Acrescentou que o Banco Mundial financiou também
um projeto que vai ser implementado agora, de 25 milhões de Euros,
destinado ao setor da água e energia aqui em Bissau, assim como na
restruturação da EAGB.
Para
o ministro, a corrupção é um fenómeno que tem prejudicado e muito o
país, assegurando que é preciso criar condições necessárias para as
instituições de combate à corrupção de forma a poderem trabalhar para
erradicar esse mal na Guiné-Bissau.
Jornal O Democrata (OD): Pode-se dizer, Senhor Ministro, que é uma pedra no lugar certo?
João Alage Mamadu Fadia (JAMF): Não!
Eu sou um cidadão guineense, bolamense, também bissauense, que desde
muito jovem se senti comprometido com seu país. Eu não costumo falar
muito disso, mas quando tinha 17 anos de idade, dei a minha contribuição
ao meu país, inclusive fui incorporar-me nas Forças Armadas onde servi
durante 15 meses. Cumpri o meu serviço em Candjafra, no Sul da
Guiné-Bissau. Portanto, fiquei um ano sem estudar, mas fi-lo com muita
dignidade, porque associei-me aos mais velhos, homens e mulheres que
estavam a lutar pela independência do nosso país e pelo progresso do
nosso país. E senti-me um militante e servidor da causa do meu país!
Nunca hesitei!
OD: O que estamos a ver hoje no país, parece que chegou tarde ao Ministério da Economia e Finanças. Como estruturou tudo isso?
JAMF: É
bom que se diga. O país tem que aproveitar e capitalizar as
experiências. Não sou o melhor e nem serei o melhor, mas o fato de ter
já acumulado bastante experiência, nomeadamente a nível do Banco
Central, onde fui diretor durante oito anos e meio, numa instituição
como BCEAO que é muito exigente. E também por ter sido, quer
administrador, quer inspetor-geral, quer diretor no antigo Banco Central
da Guiné-Bissau. Permitam-me, de fato, hoje, dar uma melhor
contribuição do que outrora. Além da experiência, é preciso ter uma
firmeza e alguma convicção naquilo que devemos fazer em prol de todos.
Porquê? Porque gerir o ministério das finanças na Guiné e em qualquer
parte do mundo é um compromisso e um engajamento que se deve ter com a
população, porque são as pessoas que pagam os impostos.
Os
recursos que gerimos pertencem à população e nós estamos aqui apenas
para redistribuir e reentregá-los. E nós aqui fazemos isso com rigor,
com firmeza e coragem que isso acarreta. Quando temos que dizer NÃO,
dizemos NÃO e quando temos que dizer SIM, dizemos SIM.
OD:
Senhor Ministro, o Governo garante salários aos funcionários públicos
todos os meses. Quais são fontes de rendimento que permitem o pagamento
regular dos salários, sem apoio da parte dos parceiros financeiros
internacionais?
JAMF: Até
aqui são as receitas das Alfádegas, são as receitas dos Impostos e um
pouco das receitas das Pescas. Isto é que nós juntamos pomos num sítio
certo que é o Banco Central. E na base de uma hierarquia de despesas
prioritárias, fazemos a boa distribuição. Naturalmente, o salário na
hierarquia das despesas é primeiro que aparece e temos cumprido
regularmente.
OD:
Fala-se que o executivo recebe secretamente dinheiro proveniente dos
países árabes, que é usado para as despesas públicas. Confirma essas
informações?
JAMF: Digo-lhe frontalmente que não! Digo-lhe frontalmente que não!
OD:
As instituições financeiras internacionais (IMF e Banco Mundial) falam
do bom desempenho das finanças e uma boa gestão do tesouro público.
Quais são os mecanismos usados para o referido “controlo rigoroso” das
finanças públicas?
JAMF: Hoje
socorremo-nos de um instrumento ou de um mecanismo que já existia. Era
apenas uma questão de operacionalização que é um Comité de Tesouraria.
Este Comité de Tesouraria reúne-se as terças e quintas-feiras, analisa
as propostas das despesas e vê os recursos que tem e na base disso toma
as decisões sobre a melhor afetação destas receitas.
OD: Actualmente qual é a massa salarial mensal da função pública?
JAMF: Neste
momento está em quatro bilhões e um milhão de francos CFA, mas em
termos médios, está em três bilhões e sete milhões de francos CFA,
porque há professores contratados que vamos pagar até final do mês de
julho. E a partir daí a tabela volta aos três bilhões e sete milhões de
francos CFA.
OD: Qual é o número total dos funcionários públicos?
JAMF: trinta e dois mil funcionários, destes trinta e dois mil, o setor da educação tem doze mil.
OD: Qual é o sector do Estado que absorve maior fatia da massa salarial?
JAMF: É o setor da Educação. Só o setor da educação leva mais de um bilhão de francos CFA.
OD:
O segundo semestre de 2017 foi marcado pela subida dos preços dos
produtos de primeira necessidade. Algumas vozes falam da pressão da
carga fiscal ou do custo de produção e distribuição. Que análise o
ministério sob sua tutela faz sobre do aumento do preço?
JAMF: Para
já, nas alfândegas não aumentamos nenhuma taxa no mês de junho. Repito,
não aumentamos nenhuma taxa no mês de junho. Portanto, o disparo do
preço como tem sido constatado de fato, tem a ver com o aspeto
especulativo. Ouvi dizer que o quiabo (candja) agora custa 250 francos
CFA. O que motivou esta subida para 250 francos? Só isto explica tudo! É
especulativo. O preço do combustível não aumentou, o preço dos
transportes também não, o da eletricidade, as alfandegas… Nenhuma taxa aduaneira aumentou. Então, o que é que explica isso? É especulação!
OD: Quais são as medidas que o Governo pretende tomar em relação a inflação dos produtos como arroz e outros?
JAMF: A
aposta é no sentido de baixar a taxa aduaneira do arroz. Mas isto é uma
perda para o Estado. São menos recursos para o Estado fazer uma boa
aplicação. É menos receita para os hospitais, é menos receita para as
estradas, é menos receita para a energia, mas nós estamos a ponderar
isso.
OD:
A Guiné-Bissau depara-se com problemas de pressão fiscal. Nem sequer
consegue alcançar a meta de 25 por cento estabelecida pela UEMOA. O país
consegue apenas arrecadar 16 por cento de impostos cobrados. Senhor
ministro, como pretende mudar este indicador?
JAMF:
De fato, a Guiné-Bissau apresenta uma taxa muito baixa em relação a
todos outros países. A Guiné-Bissau e o Níger apresentam a taxa mais
baixa da pressão fiscal. Só dois países é que conseguem estar dentro
deste limite, o Senegal e o Togo. Portanto, não é que a Guiné-Bissau
seja também o único mau aluno. Depende muito da administração fiscal, de
fuga ao fisco e até da consciência dos cidadãos em pagar impostos.
Vejam só. Se apertamos um pouco, dirão que aumentaram isto e mais aquilo
e teremos reclamações que nunca mais acabam.
Eu
quero dizer e afirmar que de fato há evasão fiscal, mas há pouca
aderência voluntária ao processo de pagamento ao fisco. Mas digo também
que isto é um estudo mundial que o diz, quanto mais a taxa da pressão
fiscal, mas é a tentativa de fuga ao fisco. Isto é mundial, não é apenas
na Guiné-Bissau. Mas vamos fazer o nosso melhor para ir melhorando cada
vez mais no sentido de podermos controlar e recolher aquilo que os
contribuintes devem ao fisco.
OD:
Senhor ministro, muitos guineenses ficam com dúvidas quando se fala do
crescimento da economia do país, tendo em conta a permanência do fraco
poder de compra dos cidadãos. Qual é a sua explicação para o cidadão
comum em relação ao significado real do crescimento?
JAMF:
Tenho uma boa explicação para isso! Na Guiné-Bissau, quando se diz que o
crescimento económico é real, é verdade. Se viajar até Gabú, Buruntuma,
Pirada, ou até Cacheu, São Domingos e Canchungo, há-de reparar que num
número maior (e cada vez maior) de casas com telhados de zinco e (cada
vez) menos palhotas. Veja a mudança que se operou em relação há dez ou
quinze anos. Aquela população não recebeu nenhum donativo para ter casas
cobertas com chapas de zinco. Foi fruto do seu trabalho. As pessoas
trabalharam e produziram riqueza. Essa riqueza deu origem a um
rendimento para fazer o investimento. Hoje, há tabancas onde as pessoas
têm painéis solares. Em Gabú por exemplo, há muitas motorizadas. No
entanto, essas pessoas não receberam nenhum donativo. Foi resultado dos
seus trabalhos. Produziram e ganharam riqueza. O rendimento é que
justifica isso.
A
condição de vida do guineense em geral melhorou e tem melhorado.
Imagina quantos plantadores de cajueiros temos no país! Por toda Guiné,
há muitos plantadores de cajueiros, ou seja, por toda a Guiné-Bissau
cada pessoa tem seu próprio pomar. Por exemplo, na zona norte não há um
único plantador que contrate outros e pessoas para trabalhar no seu
pomar. Este ano o preço mínimo foi de 500 francos CFA e a riqueza dos
plantadores amentou em dobro. Ou seja, no ano passado, com dez sacos
recebeu 250 mil francos CFA e este ano com a mesma quantidade recebe 500
mil. Isto é, o seu rendimento aumentou e a sua riqueza.
Consequentemente, o Produto Interno Bruto aumentou.
Quando
a riqueza aumenta, fazemos uns cálculos complicados para dizer que o
Produto Interno aumentou. Não apenas no setor agrícola, tem que se tomar
em conta toda produção da economia. Se quisermos ver quanto entrou no
setor da construção, pode se fazer através de cimentos e ferros. Vamos
ver o que é se investiu no setor da construção civil, através de
construção de novas casas, assim como calcular os carros importados,
tudo isso entra para este cálculo. Veja o número dos carros hoje! Quando
comecei a trabalhar, vinha de bicicleta e hoje tenho dois carros, um
para mim e outro para a minha mulher. O meu rendimento aumentou. A
riqueza na Guiné tem aumentado de fato!
OD:
Nota-se grandes obras de reabilitação e construção de estradas a nível
do país, que estão a ser efetuadas pelo Governo e suportadas
economicamente pelo Ministério das Finanças. Pode-nos explicar como foi
possível executar estas obras ?
JAMF:
Colocámos, através do Fundo Rodoviário, alguns recursos. Hoje já
investimos 610 Milhões para reabilitar algumas estradas em terra-batida.
Por exemplo, eu usava a estrada de Banculém para sair do bairro de
Luanda, mas esta estrada deixou de ser praticada há muitos anos. Agora
conseguiu-se compactá-la e renová-la em aterro e permitir a entrada e
saída de viaturas. Também outras estradas, tais como a de Empantcha,
Bairro d’Ajuda, à Volta de Bissau e Luanda. A única estrada que ainda
não foi tratada é a de Bôr, que precisa de um tratamento especial, ou
seja, de um trabalho mais consistente. Isso não se faz de um dia para
outro, tendo em conta que aquela zona é uma zona de arrozais (bolanhas).
Claro que as estradas reabilitadas terão buracos devido às chuvas. Mas
no próximo ano, naturalmente, o investimento necessário para as pôr em
ordem não será assim tão elevado.
Investimos
na estrada e investimos na agricultura. Demos 300 Milhões para o
Ministério da agricultura comprar sementes para distribuir às
populações. Demos algum dinheiro para aquisição de combustível e demos
dinheiro para pagar os tratoristas. Há tratores em todas as regiões.
Podem ser alugados a um preço moderado para trabalhar a terra, isso tudo
são investimentos.
Em
relação a saúde, investimos no Hospital Nacional Simão Mendes, na
reabilitação do Banco de Socorros. Se lá for, verá que o antigo Banco de
Socorros não estava a funcionar. Atualmente, decidimos ligar as duas
partes do rés-do-chão do edifício principal através de uma rampa, para
que o conjunto das dua partes passe a funcionar como os serviços da
urgências. Fazia-se consultas externas e passamos isto para antiga
maternidade, ao lado da Farmácia. Investimos também na alimentação dos
doentes no Hospital Nacional Simão Mendes, num valor de 50 milhões por
mês, ainda climatizamos a Unidade dos Cuidados Intensivos que não tinha
climatização e onde as pessoas deixavam as janelas abertas.
No
domínio da energia, conseguimos pagar as dívidas aos Fundos Árabes e
com base nisso, conseguimos obter um financiamento para aquisição de um
grupo de gerador de 20 Megawatts. Portanto, cobre Bissau a cem por cento
e vai ser instalado até maio de 2018. Para além disso, devido ao bom
relacionamento, vamos receber em agosto uma visita de ‘Saudi Fund’ que
virá diagnosticar as áreas do investimento. ‘Kuwait Fund’ também
manifestou o interesse de fazer a estrada do Aeroporto até Jugudul. E
temos o BID que está aberto a financiar. O Banco Mundial, como podem
ver, acabou de financiar um programa estratégico para o país para quatro
anos em 90 milhões de Euros. Financiaram um projeto que vai ser
implementado agora de 25 milhões de Euros destinado ao setor de água e
energia aqui em Bissau, assim como na restruturação da EAGB. Já
assinamos, com o banco Mundial, uma segunda fase para a criação de uma
empresa que vai gerir o projeto do Cabo Submarino. Isso representa uma
soma de 25 milhões de Dólares norte-americanos.
Portanto,
neste momento, além dos esforços internos que estamos a fazer para
fazer os investimentos, também estamos a conseguir financiamentos
externos.
OD: Além dos investimentos, o governo conseguiu pagar todas as dívidas aos técnicos de saúde?
JAMF:
Os técnicos de saúde mandaram aqui uma soma de 561 milhões e pagamos
integralmente. Agora apresentaram uma nova conta, assim como recebemos
uma nova conta do sector do sindicato dos professores. Estamos a
analisar, porque não podemos pagar, pensando que tudo está pago e amanhã
voltar ao início. Temos que acabar com isso definitivamente. Vamos
apurar os valores vamos assinar um memorando para dizer que o montante é
isto e foi totalmente pago, para que quem vier amanhã gira o presente e
não o passado.
Relativamente
ao setor do ensino, fala-se de mais de 200 professores que não tinham
recebido. Quando se consegue pagar num universo de 12 mil toda a
dívida, serão os duzentos professores que não iriamos pagar? Trazem hoje
um número, depois de uma semana voltam com um outro número. Isso tem
que acabar. Depois de ter tudo pago, voltar outra vez com outras
situações. Por isso, decidimos analisar tudo ao pormenor e vamos sair
com um memorando de entendimento. Será pago tudo e não haverá mais
reclamações.
OD: A Reabilitação das escolas não faz parte dos planos do governo?
JAMF: Já
falamos com o ministro da educação e prometemos que nos próximos
tempos, vamos identificar as escolas sobretudo, aquelas que estão com
problemas de telhados. Vamos financiá-las imediatamente. Gagaranto-vos
que se for necessário investir 50, 100 ou 200 milhões para acabar com as
escolas de barraca, financiaremos imediatamente. Estamos em condições
de fazer isso!
OD:
O ministério das finanças vai entrar com financiamento no processo de
serviço militar obrigatório que o ministério da defesa leva a cabo este
ano?
JAMF: Sim,
nós financiamos isso. Se passar pelo aquartelamento de Amura, onde
funciona o estado Maior General das Forças Armadas, verá os novos
telhados que estão a ser feitos nos edifícios que estão descobertos
desde 1998. Financiamos a cem por cento e vamos com isso até ao fim e
vocês verão os resultados depois. Suportamos as despesas da alimentação e
de combustível normalmente, sem problemas. Também pagamos as nossas
dívidas com a EAGB.
OD:
O bom desempenho do ministério das finanças, segundo FMI, deve-se ao
melhor controlo sobre o fluxo dos fundos públicos. Como foi possível
atingir estes resultados num governo sem Orçamento Geral de Estado
(OGE)?
JAMF:
Você cobra as receitas que tem que cobrar. Entra aqui e faz as despesas
como deve ser, despesas de qualidade, respeitando as regras de uma
gestão transparente e rigorosa, contando com o auxílio do Comité de
Tesouraria que reúne todas as terças e sextas-feiras. Também como
processamos e filtramos as despesas, sobretudo despesas de qualidade,
não temos tido grandes dificuldades. Desde que chegamos aqui, acabámos
com as despesas não tituladas, porque eram despesas que não seguiam os
trâmites orçamentais. Agora se tiver direito de receber qualquer valor,
tem que apresentar os papéis, o suporte e tudo o que for necessário para
o efeito e fica contabilizado, o FMI ficou impressionado com isso.
OD: Qual é o setor que mais gera rendimento económico?
JAMF: Alfândegas.
OD: Quanto é que Alfândega rende mensalmente?
JAMF:
Depende de picos. Nesta altura mês de julho, no mês passado e no mês
anterior rende entre sete e oito bilhões, mas há momentos em que
descemos até quatro, cinco bilhões. Varia, na exportação a receita é
muito boa.
OD: Qual é a situação da dívida pública junto aos credores?
JAMF:
Aqui vou fazer um parênteses. A dívida externa ao Banco Mundial, FMI,
BAD estamos a pagá-la regularmente. O atrasado está reestruturado.
Relativamente à Banca aqui de Bissau, quando chegamos eram dívidas para
tudo quanto era sítio, incluindo títulos e resgates. No total eram
oitenta e oito bilhões. Em junho descemos para setenta e nove bilhões.
Mas acabamos com dívidas descobertas. Hoje, as dívidas que temos nos
bancos são de dois tipos, ou são títulos que já existiam que nós
renovamos ou dívidas reestruturais escalonadas em empréstimos. Não em
descoberto, em conta corrente. Essas dívidas tinham 12 por cento das
taxas de juro e hoje pagamos 6,5 por cento, porque reestruturamo-las
para três anos. O ministério da economia e finanças não está a aumentar
as dívidas, mas sim é um devedor que está a reduzir as dívidas todos os
meses.
OD:
O que motivou a emissão de bilhetes de tesouro em abril do corrente
ano? Deve-se à necessidade de amortizar os Bilhetes do Tesouro dos
governos anteriores ou pelo défice orçamental corrente?
JAMF: Não.
O que estamos a fazer é refinanciar os títulos de outros governos que
venceram. Portanto, como não temos para pagar esses títulos, agora e o
objectivo é emprestar novamente e com o produto deste emprestimo pagar o
que já venceu e dar mais um prazo.
OD: Senhor ministro, podia-nos citar os sectores da produção que mais crescem nos últimos tempos na Guiné-Bissau?
JAMF: No
produto interno bruto, temos os sectores primários, secundários etc…
nos últimos dois anos todos os sectores tiveram de facto um bom
desempenho. O sector agrícola, o preço de caju em 2014, 2015, 2016 e
2017 continuou a aumentar. No ano passado, houve uma ligeira diminuição
que não afectou muito o sector da produção cerealífera.
No
sector secundário, temos a empresa ‘EAGB’ que produz a energia sempre a
subir, agora estão com 15 MW em Bissau. A taxa de crescimento entre os
anos 2013, 2014 e 2015 tem vindo aumentar. Estamos ainda na ordem de
cinco por cento em cada ano, portanto os sectores estão equilibrados.
OD:
A EAGB constituiu sempre uma dor de cabeça para os últimos governos que
eram obrigados a injectar milhões de francos cfa para cobrir algumas
despesas da empresa e não conseguia auto-sustentar-se. Senhor ministro,
como é que lida com o caso da EAGB ? Subsidia também a empresa com
milhões de francos cfa para o seu funcionamento?
JAMF: Não.
Nós pagamos a nossa factura, ou seja, pagamos a nossa factura do
consumo da energia eléctrica como qualquer cliente da empresa. Em
janeiro deste ano, pagamos uma factura de 400 milhões de francos cfa
mensalmente e a partir de junho a despesa subiu para 500 milhões de
francos cfa, mensalmente.
Até
agora não contraímos nenhum emprestimo que pode nos levar a
‘subvencionar’ a Empresa da Electricidade e Água da Guiné-Bissau, a fim
de cobrir as suas despesas. Pagámos a nossa factura regular. Na primeira
semana de cada mês, pagamos a nossa factura.
OD: O governo não disponibiliza nenhum franco cfa para a subvenção da EAGB?
JAMF: O governo não disponibiliza nenhuns francos para a EAGB e apenas pagamos o nosso consumo que acertamos com a empresa.
OD:
O uso do dinheiro de ‘FUNPI’ é um assunto que continua a merecer a
preocupação de todos os guineenses, sobretudo quando se diz que o
próprio Estado usou-o para o pagamento de salários em diversas ocasiões.
O que pode-nos falar deste fundo neste momento, como titular de pasta
das Finanças?
JAMF:
O FUNPI foi um imposto criado e suportado pelos exportadores, que
rendeu muito dinheiro. E acho que acumulou cerca de 17 mil milhões de
francos cfa, dos quais apenas o Estado da Guiné-Bissau, através do
tesouro público, consumiu mais de nove mil milhões para as suas despesas
e pagamento de salários. O resto foi aplicado para alguns operadores
economicos que pediram fundos emprestados. Outra parte estimada em cerca
de 600 milhões de francos cfa foi para o funcionamento da Câmara de
Comércio Indústria, Agricultura e Serviços.
Notou-se
que o objectivo da criação do fundo não estava a ser cumprido.
Portanto, conclui-se e as autoridades da altura sugeriram a sua
suspensão. Quer o Fundo Monetário Internacional (FMI) quer o Banco
Mundial sempre opuseram-se a forma como aquele imposto estava a ser
gerido. Repara que o preço da exportação de caju era fixado num
determinado valor. Não podemos dizer ao exportador que tem que nos pagar
dois mil dólares por quilo. Não se pode, porque é o mercado que fixa o
preço.
OD:
Diz-se que se a cobrança do imposto de FUNPI não tivesse sido suspensa,
muitas pessoas iriam parar na caadeia. Então, essa foi a razão da sua
suspensão?
JAMF: Não.
Pelo facto deste imposto não estar a ser cobrado agora, não significa
que iliba alguma prática do passado. No entanto, compete ao Ministério
Público, se assim o entender, fazer a investigação e tirar as suas
conclusões, portanto uma coisa não impede outra.
OD: Quanto é que este governo viu nas contas do FUNPI?
JAMF: Eu
estava no banco central, mas nesta conta não estava lá nenhum franco.
Zero. Mas nos bancos comerciais, acho que estava um bilhão e mais
qualquer coisa. É para esquecer…
OD: Este executivo não usou o dinheiro de FUNPI para as suas despesas?
JAMF: Nem
vou pensar nisso, aliás, nem sei se existe! Para mim, o que existe são a
Direcção das Alfândegas, Direcção da Contribuição e Impostos e o
ministério das Pescas.
OD:
Quando se fala da corrupção na Guiné-Bissau, o ministério das finanças é
logo apontado como exemplo. Na sua opinião, o que facilita a endémica
corrupção nas finanças públicas?
JAMF: A
corrupção é um fenómeno, não é apenas guineense. Ou melhor, não é
praticada apenas por um determinado país. É um fenómeno geral. A
corrupção pode ser pequena ou grande, mas é corrupção. Nós, na
Guiné-Bissau, fechamos os olhos à corrupção, aliás, todos nós aceitamos a
corrupção.
O
exemplo disso é que se formos a um serviço pedir um documento, quando
percebemos que o funcionário faz ‘mole-mole’, disponibilizamos-lhe mil
francos, para que possa agir mais depressa. Isso é corrupção que estamos
a promover cegamente, porque normalmente, ele devia fazer o seu
trabalho sem pedir nenhuma contrapartida, dado que recebe o seu salário
mensalmente.
A
corrupção é um fenómeno endémico praticado cegamente na Guiné-Bissau.
Eu não gosto de falar deste assunto, mas hoje vou abrir uma excepção
porque é uma realidade que se constata todos os dias neste país. Agora
não se limita ao nível apenas dos governantes. Estende-se até a última
camada da sociedade guineense. Imagina ! Até um guarda prática a
corrupção, porque permite ser corrompido com mil francos e aceita
receber o dinheiro. Se o guarda pede mil francos, quiçá os governantes
vão querer 100 mil francos ou mais.
Uns
dos pecados que cometemos e que ajudou muito na prática da corrupção
nesta terra é que não gostamos de respeitar a lei rigorosamente. Quem é
rigoroso na aplicação da lei é considerado uma pessoa má. Portanto,
apenas aqueles que facilitam é que são consideradas boas pessoas.
Aceitamos dar cinco mil francos cfa à uma pessoa para nos deixar passar
livremente ou que nos facilite num determinado assunto.
Esta
prática se regista todos os dias e hoje é uma doença na nossa
sociedade, mas infelizmente até agora ninguém teve a ousadia de a
repudiar.
A pessoa vai ao hospital e inclusive compra medicamentos aos técnicos de saúde, mas isso não é bom!
OD: O que é preciso fazer para estancar a corrupção que hoje é tida como uma ‘doença’ na sociedade guineense?
JAMF: É
endémica e abrange toda a nossa sociedade! Isto não é um fenómeno fácil
de combater, mas a grande verdade é que temos uma instituição a nível
do país encarregue de fazer este trabalho. Há um gabinete de luta contra
a corrupção. ´R criar-lhe meios e permitir que funcione, mas é bom que
eles consigam detetar situações que sejam traduzidas a justiça e que a
justiça funcione.
Quem
tem que estancar isso é a justiça guineense, ninguém mais. Pode-se
repudiar ou condenar uma pessoa pela prática da corrupção verbalmente,
mas isso não chega. É preciso que a justiça aplique a lei.
OD:
Falou-se que a questão da corrupção que se regista na administração
pública em particular nas finanças, levou o senhor a pedir
‘Carta-branca’ ao executivo para formar o seu ‘staff’. Confirma?
JAMF: Sim confirmo…
OD: Isso deve-se ao sucesso que se regista nas finanças públicas hoje?
JAMF: Pediram-me
para aceitar integrar-me no executivo. Então pedi-lhes que me
permitissem formar a minha equipa de trabalho. Eu disse: dêm-nos ‘Carta-branca’ e cobrem-nos o resultado daqui a seis meses.
OD:
Não faz parte de nenhuma sensibilidade política, mas diz-se que ocupou
as finanças por indicação do Presidente José Mário Vaz?
JAMF: É verdade e não há nenhum segredo sobre isso.
OD: Pensa aderir a política activa no futuro?
JAMF: Aos
17 anos aderi uma causa nacional para libertação do meu país. Hoje
continuo numa causa nacional, portanto isso não significa que tenho que
estar num partido político. O importante é que tenho que estar
disponivel para trabalhar para o meu país. Não preciso estar afiliado
numa formação política.
Essa
senhora, a Secretária de Estado do Tesouro, não está afiliada em nenhum
partido. Este senhor, o Secretário de Estado de Orçamento e Assuntos
Fiscais, também não está afiliado em nenhum partido e o José Biai também
não pertence a nenhuma formação política. Mas trabalhamos arduamente
para o interesse da população.
O
que é ser político? Afinal é um cidadão que se disponibiliza na
sociedade e que quer trabalhar para toda a agente. Se eu não me afiliar
num partido, não deixo de ser um cidadão disponivel para trabalhar para o
interesse nacional.
OD:
O Governo consegue pagar salários públicos todos os meses e inclusive
financia a reabilitação de algumas estradas. Já agora como é que o
executivo lida com o processo das privatizações das empresas públicas de
telecomunicações, designadamente a Guiné Telecom, Guiné Tel e os
Correios?
JAMF: Isto
é um dossier do ministério de Transportes e Telecomunicações. Eu não
posso pronunciar-me sobre isso, porque eu não tenho acesso e nem dominio
deste dossier.
OD: É possível que o governo assuma a injecção de um fundo que permita o funcionamento destas empresas?
JAMF: Governo
em si não. Se houver uma parceria pública e privada, porque não? Os
poucos recursos que temos são para as despesas de qualidade. Para as
despesas de qualidade, onde temos que investir em algo que possa
apresentar alguma melhoria nas vidas das populações. Perguntou-me da
escola, como eu disse: já pedimos ao ministro da Educação para
identificar as escolas que precisam da intervenção urgente.
Para
a reabilitação das escolas vamos disponibilizar dinheiro, mas agora
investir numa coisa que leva tempo para regenerar o rendimento,
sobretudo hoje que há efeitos de substituições… Há MTN e ORANGE a
funcionar, portanto não é assim tão urgente investir no sector das
telecomunicações.
OD:
O Governo conseguiu liquidar algumas dívidas pendentes com os
funcionários da Educação e Saúde. Mas em relação aos funcionários dos
Correios, o que se pretende fazer?
JAMF: Correios
e a Guiné Telecom são empresas públicas, portanto não são integrados no
Orçamento Geral do Estado. Isso só explica tudo, portanto há que
encontrar um mecanismo, mas o Estado já investiu muito na Guiné Telecom.
Aliás, lembro que em junho de 2016, o então governo fez um emprestimo
de 13 bilhões de francos cfa através da emissão dos títulos e pegou nove
bilhões para pagar uma divida em nome da Guiné Telecom. Uma coisa que
eu não faria, porque esta divida existe ainda e vamos renová-la…
Eu
talvez preferiria outras soluções. Porque são empresas que têm
património. Então privatiza-las-ia ou criaria uma parceria
público-privada, mas não endividaria o governo para investir numa
empresa que acabou por não dar nenhum resultado até neste momento. Isto é
opção de cada ministro, mas eu não faria isso.
OD: As Finanças pode assumir os custos das eleições legislativas, se forem marcadas?
JAMF:
Lembro-me que em 2014/2015, eu estava no ministério das Finanças e
discuti muito e trabalhei muito no processo eleitoral. Porém, gerimos o
que pudemos gerir naquela altura. Agora neste momento, quero informar
aqui que já investimos mais de 200 milhões de francos cfa com o Gabinete
de técnico de apoio ao processo eleitoral (GTAPE) que está fazer a
cartografia eleitoral. Há dois meses investimos nisso. Tenho comigo o
contrato que assinamos.
A
intervenção dos cidadãos no processo eleitoral devia ser um acto de
cidadania, mas esta é a minha opinião. Não significa que não podemos
criar pequenas condições para quem está numa mesa de voto de manhã até a
tarde. Infelizmente isso agora é tido como um negócio para as pessoas
que concorrem para ir para a mesa. Portanto é uma correria de um lado
para outro e cobra-se um certo montante.
Penso
que deveremos organizar as eleições, nós mesmos e utilizando os meios
que temos. Se tivermos um bilhão, vamos organizar as eleições com esse
dinheiro. Confesso aqui que envergonha-me estarmos a pedir dinheiro para
realizar as nossas eleições!
OD:
Em relação à comunicação social, a rádio nacional não tem nada. Parece
que o governo esqueceu-se dos órgãos da comunicação social. Há pessoas
nos órgãos públicos que fizeram mais de dez anos em estágio. O que o
governo pensa fazer em relação à comunicação social?
JAMF: Além
dos salários dos jornalistas que está agora no orçamento, também há um
subsídio que pagamos, nomeadamente: à rádio nacional, agência nacional
de informação, televisão e o jornal, ou seja, aos órgãos da comunicação
social pública. O que lhes coloca acima da media do que é praticado na
função pública. Aceitamos isto e fazemos-lo religiosamente!
Chegou-me
aqui um dossier do Embaixador de Senegal sobre a obra realizada nas
instalações da rádio, que se estima em 87 milhões de francos cfa.
Sobre
os meios de trabalho, lembro que quando estava no banco central, mandei
oferecer dois computadores à rádio nacional. O computador não é uma
coisa cara hoje, portanto nós podemos pôr lá cinco ou seis computadores.
Mas é preciso que as pessoas prepararem um dossier bem feito sobre as
necessidades.
A
televisão tinha preparado um dossier com um custo estimado em 30 mil
Euros, mas depois surgiu aquela oferta do Senegal e outra de uma
organização que apoiou com Câmaras de filmagem. Se a rádio preparar um
dossier de quatro ou cinco milhões para aquisições de materiais de
trabalho muito bem organizado, portanto assumo aqui vamos financiar isso
sem problemas.
Quando
houve essa situação da suspensão das emissões da RDP e RTP/Africa no
país, o ministro da Comunicação Social veio aqui a correr para explicar
das dificuldades que poderiam ter no concernente a compra de combustível
para o funcionamento de gerador da emissora de Nhacra. Porque era as
delegações daqueles órgãos de comunicação social lusa que pagavam o
combustível e com a suspensão de acordo, deixariam de comprar gasóleo.
Como
é que um país soberano não consegue garantir o funcionamento do seu
centro emissor principal através de aquisição de 300 litros de gasóleo
por dia? Francamente “és i lebisimenti pa nó cabéça própri – isto é
faltamo-nos ao respeito a nós mesmos”. Eu sei o que é a independência,
eu vivi no mato durante 15 meses e sei como custou-nos a nossa
independência. Não havia salário, roupas novas nem comida.
Sacrificamo-nos para a libertação do nosso país, de formas a podemos
viver livremente. Há coisas que são uma questão de dignidade, por isso
assumimos o engajamento de fornecer combustível ao nosso centro emissor
de Nhacra.
OD: Qual é o montante exacto em causa para a aquisição de combustível?
JAMF: São
no total nove milhões de francos cfa por mês para fazer funcionar os
centros emissor de Nhacra, Gabú e Catió. Assumimos isso e até agora não
temos tido problemas de combustível. Portanto isso é uma coisa que nós
mesmos podemos assumir, sem pedir nada à ninguém.
Sem avançar na argumentação com uma qualquer outra razão, pergunta-se a estes "parceiros financeiros internacionais" que andam aí acordar a sua "confiança" em aqui dito "desempenho das finanças públicas" sob comando deste So Ministro Fadia.
ResponderEliminarA pergunta (ou perguntas). O tal "desempenho" avaliado na base do quê? Das quais leis da gestão da coisa pública bissau-guineense e dos bissau-guineenses?
E para já, como é que funcionam as instituições de Bretton Woods, das quais fazem parte o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, citadas por este nosso Ministro? Podem estas instituições financeiras mundiais funcionarem, mesmo um só único segundo, sem as devidas regras comerciais e financeiras preestabelecidas, sem programas e orçamentos devidamente estabelecidos e aprovados pelos seus órgãos competentes em tais matérias? Em outras palavras, podem elas funcionarem sem o respeito irrestrito da vontade e objetivos preestabelecidos pelos Estados membros que são seus donos soberanos?
A resposta simples e única é, NÃO! Não podem. Porque se funcionassem assim, seriam colocadas na via que as transformariam em instituições quaisquer ou em países de géneros quaisquer. Daqueles, cuja essência da sua constituição e funcionamento são feitos, de topo à base, apenas pelos elementos PODRES. Estado-Nacional “Independente e Soberano”, PODRE. Regime de democracia parlamentar representativa e de estado de direito, PODRE. Todo o aparelho de Estado, incluindo todos os seus Órgãos centrais, Instituições e Estruturas afins, PODRES. TUDO PODRE.
Portanto, seriam umas banais entidades quaisquer, falhadas, sem performances nenhumas. Por isso mesmo, qualquer elemento no meio de todas as PODRES ENTIDADES, que conseguisse, por exemplo, cobrar impostos permitindo soldar as dívidas quaisquer contraídas no quadro do seu funcionamento na tanta podridão, já receberia aplausos de boa prestação. Coisa normal e simples feita na podridão é aplaudida de ser coisa extraordinária. E o tolo aplaudido já acomodado a viver na tanta podridão, vai ao público elogiar-se ser o grande “desempenhador” de bons serviços. Que miséria. Bom “desempenho das finanças públicas” sem programa e orçamento geral de Estado, sancionado por ninguém?!, nos Estados modernos?! Como se se trata-se de um clube dos bandidos. Incrível!
Obrigado.
Que reine o bom senso.
Amizade.
A. Keita