Em
entrevista exclusiva à DW África, líder do PAIGC, Domingos Simões
Pereira, mostra otimismo sobre o fim do impasse político na Guiné-Bissau
e reforça importância do Acordo de Conacri.
O impasse político na Guiné-Bissau poderá estar próximo do fim, abrindo
portas para a convocação do povo guineense às urnas. É, pelo menos, o
que transmite o otimismo de Domingos Simões Pereira, líder do Partido
Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC),
vencedor das últimas eleições legislativas, mas afastado do poder devido
às divergências com o chefe do Estado guineense, José Mário Vaz.
Em entrevista exclusiva à DW África, o primeiro-ministro destituído em
2015 por José Mário Vaz assegura que não parece haver outra alternativa
ao Acordo de Conacri, patrocinado pela Comunidade Económica dos Estados
da África Ocidental (CEDEAO), e que prevê a formação de um Governo
consensual integrado por todos os partidos representados no Parlamento. O
acordo prevê ainda nomeação de um primeiro-ministro de consenso e da
confiança do chefe de Estado, além de outros pontos.
A proposta de realização de eleições, feita antes pelo PAIGC, continua
válida, admite Simões Pereira, que veio a Lisboa de férias, mas também
para relançar o seu programa académico, relacionado com uma tese de
doutoramento na Universidade Católica sobre a construção de um Estado,
com recurso ao caso da Guiné-Bissau.
Em declarações à DW, Domingos Simões Pereira frisou que a crise no país
não teve como origem as relações pessoais e incompatibilidade entre ele e
o atual Presidente, José Mário Vaz. Simões Pereira falou ainda sobre os
indícios de uma solução aceitável perante a crise política e
institucional na Guiné-Bissau.
DW África: Há indícios de que poderá haver uma solução aceitável
perante a eternidade da crise política e institucional na Guiné-Bissau?
Domingos Simões Pereira: É
difícil dizer com segurança, mas temos de acreditar. Penso que em
Monróvia a 4 de junho de 2017 (ocasião da cimeira da CEDEAO) foi essa a
promessa feita pelo senhor Presidente da República, que solicitou um
período de 90 dias para encontrar uma solução. Estamos a menos de 30
dias da conclusão desse prazo e só podemos esperar que até lá aconteça
algo.
DW África: O diálogo para uma solução negociada tem sido difícil. Existem iniciativas concretas para lá chegar?
DSP: Há alguns indicadores no sentido positivo. A iniciativa das
mulheres no sentido de facilitar esse diálogo. O conjunto de
pronunciamentos que têm acontecido. Há dias houve um pronunciamento do
P5 (grupo de organismos internacionais constituído pela CEDEAO, União
Africana, Nações Unidas, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa -
CPLP, e União Europeia). A clareza do posicionamento do Conselho de
Segurança das Nações Unidas e de outros organismos internacionais que
acompanham a Guiné-Bissau fazem acreditar que todos convergem e que não
há outra solução senão voltar ao Acordo de Conacri.
DW África: Esta crise demonstrou que a Guiné-Bissau não foi capaz de
respeitar a sua própria Constituição e as suas próprias leis?
DSP: Nós não fomos capazes de o fazer. Chegamos a um ponto de
bloqueio das instituições e, portanto, a CEDEAO, em nome da comunidade
internacional, favoreceu os diálogos de Conacri e é por isso que hoje
todas as instituições - e nós próprios - exigimos a sua implementação
porque, de facto, é o consenso. É um acordo ainda válido e não me parece
haver alternativa a esse acordo.
DW África: Dois anos depois deste impasse, acredita que agora já estão criadas as condições para se virar a página?
DSP: Penso que os argumentos de um e de outrem foram
apresentados. Grande parte da população guineense e da sua diáspora está
esclarecida em relação à responsabilidade que incumbe a cada um dos
atores desse processo. Hoje, é importante encontrarmos uma saída.
DW África: É um problema de cedência ou de flexibilidade das partes?
DSP: É um problema de respeito às leis. O exercício da democracia
tem como principal pressuposto respeitar as leis. E, nesse exercício,
muitas vezes somos confrontados com situações de menos conforto, e que
não correspondem necessariamente à nossa expetativa e aos nossos
interesses.
DW África: No entanto, esta crise criou muitos inconformados no seio da sociedade civil…
DSP: O debate que se tem gerado na sociedade civil guineense
permitiu, a meu ver, uma tomada de consciência de que a democracia se
faz com a participação popular. Uma participação não só consciente mas
também comprometida. Se formos capazes – e eu acredito que seremos
capazes – de ultrapassar esta crise, teremos uma Guiné-Bissau diferente.
Um país em que o titular de cargo político saberá que está sob
escrutínio, sob averiguação permanente. Nem se trata de uma opção, pelo
contrário, é obrigado a prestar contas.
DW África: Não restam dúvidas de que os guineenses terão de suportar
novas eleições, a serem convocadas pelo Presidente da República?
DSP: Em condições normais, nós devemos ter as próximas eleições
legislativas em abril de 2018. Estamos em agosto de 2017. Portanto, a
ideia da antecipação já não faz sentido, porque a própria Comissão de
Eleições diz que se começassem a trabalhar hoje teriam que reforçar a
sua equipa para realmente poder cumprir os prazos eleitorais. Não é uma
questão de acelerar ou deixar de acelerar. É uma questão de evitar os
desgastes de imagem e de recursos que o país está a ter. Temos um
Governo que há quase um ano não presta contas à Assembleia Nacional
Popular. Faz despesas, engaja o erário público e não consegue uma boa
interlocução com a comunidade internacional, sobretudo com os seus
parceiros. Portanto, isso é um desgaste bastante grave para o país. Algo
que nos leva a manter insistentemente o nosso pedido, a nossa exortação
ao senhor Presidente da República para parar este desgaste e esta
"razia” que está a acontecer em relação à credibilidade do país.
DW África: As eleições só podem, então, ter lugar com o comprometimento da comunidade internacional?
DSP: Penso que por mais que se queira prolongar, a cada dia que
passa, estamos mais próximos da convocação do povo guineense às urnas. E
o que nós pedimos à comunidade internacional é que as condições sejam
criadas e asseguradas para que esse exercício seja credível,
transparente, e que seja a expressão da vontade popular.
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