lunes, 14 de agosto de 2017

KANSALA: O EMBRIÃO DO PODER MANDINGA NA GUINÉ-BISSAU

Reprodução da série Roots, que conta um pouco da cultura mandinga


Texto escrito a partir de áudio do artista mandinga Lalo Kebba Drammeh e de conhecimentos sobre a cultura do autor Calido Mango.
A África é um continente conhecido pela enorme quantidade de impérios e etnias estruturadas politicamente e com organização social que respeita as realidades nativas. A etnia mandinga é um dos grupos que, desde muito cedo, consolidou o poder como um Estado tradicional africano.
Em 1537, os Mandinkou ou Mandinkaa, provenientes do império do Mali, invadiram a Senegâmbia e fundaram o Império de Kaabu, também conhecido como Ngabou ou N’gabu. Esse império era considerado um Estado Mandiga na África Ocidental naquela época e a amplitude territorial abarcava partes dos atuais territórios da Guiné-Bissau e do Senegal, uma região conhecida como Senegâmbia, que tinha como capital Kansalá, que ficava na província leste da atual Guiné-Bissau. (DJOP, 2013)
Kaabu era uma província do império do Mali, confederação de dois reinos vassalos de Dó e Kri, provavelmente eram dois primos (Dó e Kri são nomes das pessoas, os reinos dessas pessoas também eram chamadas do mesmo jeito). A região foi denominada Império do Mali pelos Djalis Mandé (cantores mandinga) e tornou-se independente após o declínio do poder central no século XVI, constituindo assim, um Estado autônomo com poderes próprios e governado por um Mansa (rei) chamado Sama Koli conhecido como Kaabu Mansabá ou Farim Kaabu, neto de Tiramankhan Traoré. O estado Mandé de Kaabu, apesar de não pertencer mais ao Império do Mali, manteve a sua herança cultural.
Os mandinkaas organizaram a sua sociedade étnica estruturando-a politicamente durante mais de três séculos e exerceram o poder cultural sobre todo o território de Kaabu. Eles confiavam os poderes divinos aos Djalans (forças dos seus ancestrais) espalhados pelas quatro principais cidades do império – Kankelefá, Kabintum, Kansalá e Samakantentensuto. As três primeiras eram as principais cidades natais dos Mansas que governaram o império de Kaabu durante esse período.
A estruturação social era dividida entre Kóntôn’nu, Kordalu e Kabílôlu. Os ferreiros, cantores e caçadores também eram muito importantes na hierarquia social Mandinkaa desde o início do império.
Kóntôn’nu são sobrenomes das diferentes famílias que faziam parte do Império; Kordalué a junção das famílias de diversos sobrenomes que constituíam um laço de vizinhança como se fossem famílias de raiz. Kabílolu são gerações que compunham o império. Durante esse período houve vários reinos como Mama Cadi Sani, Mansa Bacari e Kan’murunmurun kantundan’na e o Mansa Mama Djankè Wali.
Segundo o artista e conhecedor da cultura mandinga Lalo Kebba Drammeh, Wali foi um rei Mandinkaa famoso pela valentia e bravura e muito querido pelo seu povo. Nasceu na cidade de Kabintum (dentro do império) e quando chegou a sua vez para subir de governar Kaabu, teve que ser aprovado pelos quatro principais Djalans em diferentes cidades do império. Era um ritual que todos os Mansas faziam antes de chegar ao trono.
Esse ritual foi acompanhado pelos mestres Mandinkaa, sábios das diferentes dinastias e as pessoas comuns sob cânticos da honra e fidelidade a um Mansa. Hoje, os rituais dos Djalans não existem na etnia Mandinkaa devido à islamização desta etnia.
Mapa com Mansa Musa

No inicio do século XIX, o império Mandinkaa se envolveu numa divergência com a etnia Fula que já se encontrava islamizada e começou a fazer contato com os territórios não-muçulmanos que habitavam a África Ocidental. Em 1867, um reino Fula chamado Futa Tooro, desencadeou uma guerra contra o império Mandinkaa por dois motivos:
1- dominar os Mandinkaa obrigando-os a pagar Námô (imposto);
2- iniciar uma Jihad contra o império de Kaabu com o propósito de convertê-los em muçulmanos. Esta batalha foi conhecida literalmente como a “Guerra de Kansalá”, mas a denominação Mandinkaa atribuída a essa batalha foi Turbam kelò, que significa “a guerra do fim da geração”.
A batalha
As forças islâmicas fulas sitiaram a capital Kansalá durante 11 dias numa batalha tensa. O exército do Mansa Djankè Wali enfrentou os fulas para salvar o império. Havia batalha em diversas frentes nas diferentes cidades do império, mas os fulas conseguiram dominar várias cidades porque seu exército era mais numeroso do que o dos Mandinkaa. Quando chegaram à capital do império, onde residia o Mansa, não conseguiram ultrapassar a grande cerca que protegia a entrada. Ficaram por alguns dias no exterior do Kansalá enquanto estudavam as estratégias para controlar o exército do Mansa.
Na madrugada do décimo primeiro dia, abriram novas ofensivas contra Kansalá, intensificaram as trocas de tiro entre os exércitos com armas de fogo até o final da tarde do mesmo dia, numa altura em que o exército do Mansa Mandinkaa viu-se fragilizado pela falta da munição e não conseguiu enfrentar a força do exército inimigo e evitar a captura do Mansa, que deu ordem aos seus guarda-costas para atear fogo sobre o resto de pólvora e incendiarar o Kansalá.
Morreram o Mansa, o resto do seu exército e a população que se encontrava na capital. O Mansa preferiu acabar com o seu reinado de forma heróica e evitar assim uma captura para não ser tornar num escravo ou prisioneiro do exército inimigo. Dessa forma, chegou ao fim o histórico império de Kaabu.
Nos dias atuais, a cidade de Kansalá é um pouco afastada do centro da cidade de Gabú, mas ainda é possível ver vestígios que simbolizavam a grandeza e a estruturação da capital desse império.
Calido Mango é estudante graduado em Humanidades pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB, Campus dos Malês, BA.

Considerado uns dos maiores tocadores de kora, Lalo Kebba Drammeh foi um artista e conhecedor da cultura mandinga nascido em Kwenela. 
Referências:
DRAMMEH, Lalo Kebba. in: Kaabu Histoire. Disponível aqui

https://www.youtube.com/watch?v=Mh3Ve1qVw98&feature=share
DJOP, Pate Cabral, Os três irmãos: o sanguinário ficou em Bissau e os dois foram para Gâmbia e Senegal. 2013.

Por Calido Mango, Por dentro da África

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