Reprodução da série Roots, que conta um pouco da cultura mandinga
Texto escrito a partir de áudio do artista mandinga Lalo Kebba Drammeh e de conhecimentos sobre a cultura do autor Calido Mango.
A África é um continente conhecido pela enorme quantidade de impérios e
etnias estruturadas politicamente e com organização social que respeita
as realidades nativas. A etnia mandinga é um dos grupos que, desde muito
cedo, consolidou o poder como um Estado tradicional africano.
Em 1537, os Mandinkou ou Mandinkaa, provenientes do império do Mali,
invadiram a Senegâmbia e fundaram o Império de Kaabu, também conhecido
como Ngabou ou N’gabu. Esse império era considerado um Estado Mandiga na
África Ocidental naquela época e a amplitude territorial abarcava
partes dos atuais territórios da Guiné-Bissau e do Senegal, uma região
conhecida como Senegâmbia, que tinha como capital Kansalá, que ficava na
província leste da atual Guiné-Bissau. (DJOP, 2013)
Kaabu era uma província do império do Mali, confederação de dois reinos
vassalos de Dó e Kri, provavelmente eram dois primos (Dó e Kri são nomes
das pessoas, os reinos dessas pessoas também eram chamadas do mesmo
jeito). A região foi denominada Império do Mali pelos Djalis Mandé
(cantores mandinga) e tornou-se independente após o declínio do poder
central no século XVI, constituindo assim, um Estado autônomo com
poderes próprios e governado por um Mansa (rei) chamado Sama Koli
conhecido como Kaabu Mansabá ou Farim Kaabu, neto de Tiramankhan Traoré.
O estado Mandé de Kaabu, apesar de não pertencer mais ao Império do
Mali, manteve a sua herança cultural.
Os mandinkaas organizaram a sua sociedade étnica estruturando-a
politicamente durante mais de três séculos e exerceram o poder cultural
sobre todo o território de Kaabu. Eles confiavam os poderes divinos aos
Djalans (forças dos seus ancestrais) espalhados pelas quatro principais
cidades do império – Kankelefá, Kabintum, Kansalá e Samakantentensuto.
As três primeiras eram as principais cidades natais dos Mansas que
governaram o império de Kaabu durante esse período.
A estruturação social era dividida entre Kóntôn’nu, Kordalu e Kabílôlu.
Os ferreiros, cantores e caçadores também eram muito importantes na
hierarquia social Mandinkaa desde o início do império.
Kóntôn’nu são sobrenomes das diferentes famílias que faziam parte do
Império; Kordalué a junção das famílias de diversos sobrenomes que
constituíam um laço de vizinhança como se fossem famílias de raiz.
Kabílolu são gerações que compunham o império. Durante esse período
houve vários reinos como Mama Cadi Sani, Mansa Bacari e Kan’murunmurun
kantundan’na e o Mansa Mama Djankè Wali.
Segundo o artista e conhecedor da cultura mandinga Lalo Kebba Drammeh,
Wali foi um rei Mandinkaa famoso pela valentia e bravura e muito querido
pelo seu povo. Nasceu na cidade de Kabintum (dentro do império) e
quando chegou a sua vez para subir de governar Kaabu, teve que ser
aprovado pelos quatro principais Djalans em diferentes cidades do
império. Era um ritual que todos os Mansas faziam antes de chegar ao
trono.
Esse ritual foi acompanhado pelos mestres Mandinkaa, sábios das
diferentes dinastias e as pessoas comuns sob cânticos da honra e
fidelidade a um Mansa. Hoje, os rituais dos Djalans não existem na etnia
Mandinkaa devido à islamização desta etnia.
No inicio do século XIX, o império Mandinkaa se envolveu numa
divergência com a etnia Fula que já se encontrava islamizada e começou a
fazer contato com os territórios não-muçulmanos que habitavam a África
Ocidental. Em 1867, um reino Fula chamado Futa Tooro, desencadeou uma
guerra contra o império Mandinkaa por dois motivos:
1- dominar os Mandinkaa obrigando-os a pagar Námô (imposto);
2- iniciar uma Jihad contra o império de Kaabu com o propósito de
convertê-los em muçulmanos. Esta batalha foi conhecida literalmente
como a “Guerra de Kansalá”, mas a denominação Mandinkaa atribuída a essa
batalha foi Turbam kelò, que significa “a guerra do fim da geração”.
A batalha
As forças islâmicas fulas sitiaram a capital Kansalá durante 11 dias
numa batalha tensa. O exército do Mansa Djankè Wali enfrentou os fulas
para salvar o império. Havia batalha em diversas frentes nas diferentes
cidades do império, mas os fulas conseguiram dominar várias cidades
porque seu exército era mais numeroso do que o dos Mandinkaa. Quando
chegaram à capital do império, onde residia o Mansa, não conseguiram
ultrapassar a grande cerca que protegia a entrada. Ficaram por alguns
dias no exterior do Kansalá enquanto estudavam as estratégias para
controlar o exército do Mansa.
Na madrugada do décimo primeiro dia, abriram novas ofensivas contra
Kansalá, intensificaram as trocas de tiro entre os exércitos com armas
de fogo até o final da tarde do mesmo dia, numa altura em que o exército
do Mansa Mandinkaa viu-se fragilizado pela falta da munição e não
conseguiu enfrentar a força do exército inimigo e evitar a captura do
Mansa, que deu ordem aos seus guarda-costas para atear fogo sobre o
resto de pólvora e incendiarar o Kansalá.
Morreram o Mansa, o resto do seu exército e a população que se
encontrava na capital. O Mansa preferiu acabar com o seu reinado de
forma heróica e evitar assim uma captura para não ser tornar num escravo
ou prisioneiro do exército inimigo. Dessa forma, chegou ao fim o
histórico império de Kaabu.
Nos dias atuais, a cidade de Kansalá é um pouco afastada do centro da
cidade de Gabú, mas ainda é possível ver vestígios que simbolizavam a
grandeza e a estruturação da capital desse império.
Calido Mango é estudante graduado em Humanidades pela Universidade
da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB,
Campus dos Malês, BA.
Considerado uns dos maiores tocadores de kora, Lalo Kebba Drammeh
foi um artista e conhecedor da cultura mandinga nascido em Kwenela.
Referências:
DRAMMEH, Lalo Kebba. in: Kaabu Histoire. Disponível aqui
https://www.youtube.com/watch?v=Mh3Ve1qVw98&feature=share
https://www.youtube.com/watch?v=Mh3Ve1qVw98&feature=share
DJOP, Pate Cabral, Os três irmãos: o sanguinário ficou em Bissau e os dois foram para Gâmbia e Senegal. 2013.
Por Calido Mango, Por dentro da África
Por Calido Mango, Por dentro da África
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