[REPORTAGEM]
A fábrica de compota da cidade de Bolama, que outrora fornecia sumos
feitos na base de frutas ao mercado nacional e que deixou de funcionar
há mais de 30 anos, transformou-se num esconderijo para animais. Por
outro lado, a antiga fábrica têxtil que nunca funcionou foi recuperada
por empresários nacionais, para funcionar como uma fábrica de produção
da amêndoa de cajú.
As duas
fábricas eram uma iniciativa do falecido presidente Luís Cabral, com o
intuito de impulsionar a economia nacional. Depois do golpe de Estado de
14 de Novembro e 1980, as ambas foram encerradas pelo novo regime
instalado, alegando que não tinham rendimento suficiente que as
permitisse se auto sustentarem.
Bolama, antiga
capital da administração colonial, conta com mais de dez mil habitantes,
de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de
2009. A cidade é pouco movimentada devido ao isolamento. Tem falta de
ligação entre as ilhas com o resto do território nacional, bem como
centros de formação e postos de serviços para empregar jovens.
FÁBRICA DE COMPOTA – UM SONHO TRANSFORMADO EM ‘SUCATA’ E FERRO VELHO
A fábrica
“Titina Silá” conhecida como a fábrica de compota, que fazia a
transformação de frutas para o consumo a nível interno, transformou-se
hoje num esconderijo de animais. O edifício onde funcionava ruiu e as
máquinas inativas há décadas transformam-se em “sucata” e ferro velho de
século XV.
No campo
empresarial e de pequeno comércio nota-se pouca movimentação na cidade e
as atividades pontuais que se fazem nessa área são dominadas por
estrangeiros, com maior incidência para os Conacri-guineenses que são
maioritários. Os senegaleses dedicam-se mais a venda do seu pescado.
Uma equipa de
reportagem de O Democrata visitou as instalações onde funcionavam as
duas grandes fábricas e constatou que a antiga fábrica de compotas
encontra-se totalmente danificada e abandonada. Quem nunca conheceu
Bolama terá dificuldades em identificar a entrada principal ou a saída,
porque as paredes desmoronaram-se por completo. Sobram apenas os
vestígios que permitem perceber que havia alí um pavilhão grande.
A reportagem de
O Democrata não conseguiu obter explicações dos antigos trabalhadores
sobre o funcionamento da fábrica, mas habitantes locais contatados pelo
semanário informaram que a maioria das pessoas que trabalhava naquela
fábrica morreu e outros abandonaram a ilha a procura de melhores
condições de vida em Bissau e no estrangeiro.
Isnaba Nambu,
antigo colaborador da fábrica e identificado pelos populares de Bolama,
explicou à repórter que fazia trabalho extra naquela fábrica, quando
saia do serviço no projeto pescarte, para ganhar algum dinheiro. O seu
salário era pago em pesos, a moeda em circulação na altura. Isnaba cita
na primeira pessoa que ele e mais outros colegas carregavam a cabeça
bacias grandes, cheias de polpa de diferentes alimentos, para levá-las
para onde eram tratadas as compotas e que organizavam garrafas de
compotas. O resto era com os funcionários da casa.
“Às vezes
pagavam-nos em dinheiro, outras vezes em compotas. Consegui entrar
naquela fábrica graças a um velho amigo da nossa tabanca. Já não me
lembro da data, mas eu era muito jovem na altura. Não sei explicar como e
porque a fábrica deixou de funcionar, mas muitas pessoas que ali
trabalhavam já morreram. Outras estão no estrangeiro e na capital,
Bissau”, explicou.
Uma das
testemunhas, Fernando Langa, um velho que se encontra na casa dos 60
anos, que fazia serviço noturno ao lado da fábrica, contou à repórter
uma parte da história daquela fábrica.
Informou que a
fábrica funcionava muito bem e rendia em termos financeiros, o que
deixava os gestores à vontade no concernente ao pagamento de salários
aos seus funcionários. Contudo, disse que desconhece a razão que levou a
sua paragem ou ao encerramento das suas portas.
“Hoje fico aqui
sentado a ver todos os dias as memórias e às vezes vem-me à mente a
imagem de como era esta casa que hoje se desfigurou totalmente… Antes
todas as crianças adolescentes e jovens não se cansavam de passear nesse
lugar para saborear os produtos feitos pelos tios e pais. Nunca
trabalhei aqui, mas rondava sempre neste espaço”, conta emocionadamente.
‘LICAJÚ LDA’ PRODUZIA ANUALMENTE MIL E QUINHENTAS TONELADAS DE AMÊNDOA DE CAJÚ
Em 2006, a
fábrica de panos acabou por ser transformada numa fábrica de
transformação de castanha de cajú e trabalhou por curto período de
tempo. Ficou inativa em 2008. Quatro anos depois, em 2012, retomou os
trabalhos até 2014 e desde então nunca mais funcionou.
O gerente da
empresa LICAJÚ Lda, Agripino Lopes de Carvalho, revelou em entrevista
concedida à repórter de O Democrata que após a paragem pelo período de
três anos, a fábrica voltou a funcionar, mas já com novo proprietário,
Gomes e Gomes. Depois das reparações feitas pela nova gerência,
funcionou dois anos, de 2012 a 2014.
Agripino Lopes
de Carvalho explicou que a fábrica contava com mais de 250 funcionários,
a maioria deles mulheres residentes em Bolama. Havia também jovens e
habitantes das aldeias nos arredores do sector. Acrescentou ainda que a
fábrica tinha a capacidade de produzir 1500 (mil e quinhentas) toneladas
de castanha de cajú descasado por ano.
“Compravam a
castanha como outros empresários, mas a um preço acima do que estes
pagavam, porque queriam comprar maior quantidade, desde que a empresa
não ficasse prejudicada”, informou Agripino Lopes de Carvalho.
Explicou, no
entanto, que a fábrica funcionava através de um sistema manual, mas que
agora foi equipado com tecnologia de ponta e com novos equipamentos,
consequência das novas mudanças operadas. A gerência da fábrica foi
obrigada a reduzir o pessoal. Lembrou que antes deparava-se com falta de
recursos humanos, porque tinha dificuldades em conseguir jovens em
número suficiente para os diferentes serviços, porque a maioria estuda e
consegue trabalhar apenas no período das férias. Foi por isso que, a
gerência recrutava pessoas das aldeias nos arredores da cidade.
“Para quem
compra a castanha para a sua transformação numa fábrica como a nossa, o
preço tornava-se exorbitante. O custo de transformação foi uma das
razões que fez com que a fábrica não funcionasse nesse ano. De certeza
que nenhuma fábrica de descasque funcionou nesse ano, tendo em conta o
preço estipulado pelo governo guineense para a compra e comercialização
do produto”, referiu o gerente que, entretanto, avançou que o executivo
guineense deveria ter tomado a iniciativa de subvencionar as empresas de
descasque da castanha, para que se possa compensar a diferença do
preço.
“Se o Estado
quisesse poderia até manter o preço, mas que subvencionasse as fábricas
para que pudessem funcionar. Espero que o assunto seja tratado entre os
órgãos competentes, porque essa preocupação foi manifestada pelos
proprietários das fábricas junto do governo”, sublinhou, acrescentando
que as fábricas empregam muitas pessoas, sobretudo jovens, pelo que o
Estado deve rever a sua posição e subvencioná-las para colmatar os
prejuízos.
O gerente
apontou a situação geográfica de Bolama como um dos entraves ao
desenvolvimento da ilha e de qualquer negócio que se queira desenvolver,
dado que, quando há qualquer avaria técnica, é preciso deslocar um
mecânico a partir da capital Bissau. Ou desmontar a máquina e trazê-la à
capital para ser consertada. Outra dificuldade mencionada pelo gerente
tem a ver com o transporte. Os dias para a viagem são fixados e quando
acontece uma avaria entre os dias em que não há transporte, nos dias em
que não há ligação, a situação torna-se bem complicada. A falta de
matérias primas suficientes também dificulta o funcionamento da fábrica.
“O pagamento é
feito de acordo com a produção de cada funcionário, por quilograma
produzido diariamente. Pagamos cada quilograma a 150 francos CFA para
castanhas partidas e 250 francos CFA para castanhas inteiras. A
avaliação da produção é feita ao fim de cada dia de trabalho”, notou.
A empresa foi
assaltada em 2013 e os assaltantes levaram consigo cabos e outros
materiais de trabalho. Informou que apresentaram uma queixa junto à
polícia de ordem pública da ilha, mas até ao momento da entrevista a
polícia não conseguiu descobrir os autores do roubo e muito menos saber
do paradeiro dos materiais roubados.
“Pretendíamos
com aqueles cabos roubados eletrificar toda a cidade de Bolama, através
da central de biomassa. Quer dizer, a central funcionaria graças às
cascas de castanha de cajú que serviriam de combustível. Tudo isso se
enquadra no âmbito de projeto “CONGERAÇÃO” financiado pelo Banco
Mundial. Felizmente, o banco tinha mandado as máquinas para execução do
projeto, mas a confusão que se instalou entre o governo e a empresa
sobre o pagamento do despacho levou a máquina a ficar cinco anos no
porto. Com o golpe de 12 de abril 2012, as máquinas desapareceram no
porto”, conta.
Contudo,
informou que a iniciativa de apoiar a comunidade em energia elétrica se
enquadrava no âmbito das atividades ou apoio social que a empresa
pretendia levar a cabo para com os habitantes da ilha, por isso lamentou
bastante a situação do desaparecimento da central no porto, porque a
empresa tinha iniciado a eletrificação de alguns bairros da cidade.
Explicou ainda
que a empresa produzia grande quantidade de casca de castanha que era
utilizada para produzir vapor que depois era usado para a cozedura e
estufagem das castanhas nas caldeiras. Acrescentou que a fábrica tinha
um gerador próprio para fornecimento da energia elétrica e bombagem da
água.
“Alimentamos
esperança da população que nos pergunta de forma desesperada todos os
dias sobre quando a empresa voltará a funcionar, mas não conseguimos dar
respostas. Estamos com a expectativa de torná-la a funcionar na próxima
campanha de comercialização de castanha de cajú”, garantiu Lopes de
Carvalho.
Por: Epifania Mendonça
Foto: EM
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