Introdução
A diversidade étnica da Guiné-Bissau – cerca de 15 etnias, destacando-se os Balantas (30%), Fulas (20%), Manjacos (14%), Mandingas (13%), Pepeis (7%), Bijagós, Mancanhes, Beafadas, Felupes, etc. para uma população de 1,6 milhões de habitantes – acabou por resultar numa cultura extremamente rica, diversa e presente no dia-a-dia dos seus habitantes. A música é uma das componentes dessa diversidade cultural. “A música não é só a companheira dos acontecimentos da vida e lhe dá sentido como também traduz, melhor que tudo o resto, a dimensão do sentimento africano (…). Aliás, aprendemos a tocar como aprendemos a falar, o que quer dizer que a música é feita para ser vivida”, lê-se no “Atlas dos Instrumentos Tradicionais da Guiné-Bissau” 1, obra coordenada pelo professor de música João Cornélio.A Música na Guiné-Bissau
A música está presente em todas as etapas da vida do guineense: nascimento, iniciação, casamento, trabalho, lazer, relação com Deus ou com o mundo dos espíritos e morte. Os géneros musicais existentes correspondem a estes momentos. São cantigas infantis como as lenga-lengas e canções de embalar, cantigas de trabalho populares entre os pescadores, pastores e agricultores, cânticos rituais, de iniciação e profanos, etc.
Alguns estilos como o tchossani, no leste do país, são comuns a momentos totalmente opostos como o matrimónio (sinónimo de vida) e a homenagem a um parente falecido (tristeza), segundo o conceito ocidental. O fanado, outra etapa essencial na vida de grande parte das etnias, tem uma componente musical vasta. Há ainda os estilos característicos das manifestações sociais ou desportivas como a luta tradicional. No meio laboral, as cantigas variam consoante a actividade, como, por exemplo, a agricultura, com os seus estilos próprios, como o kumpó ou o kusundé, destinadas a assinalar uma boa colheita.
As cantigas de mandjuandadi, o único estilo musical guineense em que a mulher marca realmente presença como autora, cantadeira e tocadora, ocupam um lugar de destaque na música tradicional e na música guineense em geral. Há quem associe a origem do gumbé às cantigas de mandjuandadi ou de ditu.
O gumbé, estilo provavelmente nascido no século XIX, nas zonas urbanas de Bissau, Cacheu, Geba e Farim, é a música moderna que identifica a Guiné-Bissau no panorama musical mundial, tal como a morna caracteriza a música de Cabo Verde e a marrabenta, a de Moçambique. A sua evolução tem sido constante: tradicional e acústica no início, registou a introdução da guitarra eléctrica e da bateria em Bissau e, mais tarde, o sintetizador, em Lisboa. Hoje, procura misturar-se, com algum sucesso, a estilos musicais de outras regiões do planeta como as Caraíbas (zouk), RDC (soukouss) ou Côte d‟Ivoire (décalé-coupé).
Abordar a música guineense é também evocar o papel dos djidius e a luta de libertação nacional. Os djidius contribuíram para a criação e divulgação musical do país, nomeadamente da música mandinga. Nalgumas etnias, eram os únicos autorizados a cantar e tocar um instrumento, segundo o guitarrista e compositor Aliu Bari, um dos fundadores do conjunto Cobiana Djazz que lembra este aviso várias vezes ouvido: “Abô si bu i ka djidiu, bu ka dibi pega instrumentu (Não podes pegar num instrumento musical se não és djidiu).”
Quanto à luta de libertação nacional, o seu impacto notou-se a três níveis. Em primeiro lugar, valorizou a música tradicional guineense, tida pelo colono português como “do ponto de vista sonoro, muito pobre em harmonia mas rica em barulho: sons infernais e diabólicos emitidos por tambores de vários tamanhos por trompas de chifres e apitos metálicos”, segundo as conclusões de um questionário etnográfico elaborado pelo Governo da Província em 1945 e citado em “Sons da Tradição”2, livro da autoria de Mariana Ferreira. Ao mesmo tempo, transformou-a numa arma de apoio à luta armada para posteriormente fazer dela um factor de unidade do povo e um cartão de visita da nação, após a independência, unilateralmente declarada a 24 de Setembro de 1973, nas Colinas de Boé, localidade então sob controlo dos combatentes do Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC).
Na altura, coube a figuras como José Carlos Schwarz e os seus colegas do Cobiana Djazz a tarefa de transformar a música guineense. Seguiram-se vários outros, tanto no país – Atchutchi, Zé Manel, Maio Cooperante e Justino Delgado, entre outros – como, mais tarde, nalgumas cidades europeias – Bedinte, Manecas Costa, etc. Durante algum tempo, a música guineense não parou de crescer: nos anos 1980, uma escola permitiu formar alguns dos melhores músicos enquanto que a rádio possibilitou que muitos gravassem um primeiro trabalho. Seguiu-se um longo período de dificuldades como a falta de investimentos financeiros, o não pagamento dos direitos de autor e a inexistência de uma industria musical, entre os anos 1990 e a primeira década dos anos 2000. Desde então, a situação tem melhorado, sendo marcado por novas figuras, novos estilos, entre eles o rap e algumas oportunidades como novos palcos como os festivais, estúdios modernos e por conseguinte o pagamento de cachets.
Vladimir Monteiro
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